História
Recém chegados de Aracaju-Sergipe, para cursar o 3º ano científico (2º Grau) no Colégio Arquediocesano de Ouro Preto, dirigido pelo padre José Filgueiras Rocha e Curso Anexo da Escola de Minas, os estudantes Kleber Farias Pinto, Francisco Carlos Pinheiro Faro, Arnobio Alves Vanus e Silvio Leite Neto convidaram o mineiro Guido Deodoro Jaques Penido para desistir de procurar lugar em repúblicas. Nenhuma delas aceitava admitir "BIXOS" não universitários. O negócio era fundar uma república. A maioria composta por Kleber, Faro e Arnobio, morava na Pensão Central, do Sr. Carlos, na Rua São José (bem em frente ao local onde morava Tiradentes, onde depois o terreno foi salgado para que nem vegetação pudesse ali viver) em uma casa com térreo e dois andares. O terceiro andar ruiu anos depois e a restauração se deu só no térreo e primeiro andar. Todos ali chegaram na madrugada de janeiro de 1951, após sete horas de viagem na "Maria Fumaça" procedente de Belo Horizonte.
Foi localizada, disponível para aluguel, a casa da rua Xavier da Veiga, 13, geminada à 15, de propriedade do Sargento Pimenta, dona Ercília Pimenta, Ana Pimenta e Maria José Pimenta. Tal localização trazia o inconveniente (ou vantagem) de ter seu acesso através da Zona de prostituição - Caminho Novo. Ali pontificavam grandes amigas como a professora Jacyra, Maria Forte (posteriormente elevada a categoria de governanta e cozinheira do Formigueiro - durante o dia), Maria Gasolina, Hilda, Maria Roxinha e o inesquecível Argemiro do Botequim "Pito Aceso" e do "Caixote em Pé".
Instalada a república coube ao Faro sugeir o nome Formigueiro, talvez por sua localização. Eram surpreendentes as instalações do chuveiro com água aquecida no fogão de lenha. Ficava no porão exatamente no meio do galinheiro onde viviam as galinhas honestas, nascidas de pintos chocados em casa, e as desonestas, roubadas, principalmente dos professores da Escola.
Logo ao final do ano o Formigueiro se notabilizou conquistando o primeiro e o quarto lugar no Concurso (vestibular) da Escola com Guido e Kleber. Depois coube ao Nulton Zander ser o primeiro do novo curso de Geologia.
Ficaram notáveis as extravagâncias ocorridas por alguns republicanos. O Guido teve morte muito trágica, junto com a sua filha. O José Leite (Chapéu) também morreu em incrível situação na Zona de Meretrício. O Flávio Stockler de Queiroz Pimentel autor de dezenas de músicas e serenatas e do hino da Escola de Minas, foi vítima de excessos alcoólicos. O Luciano, filho da "Comadre Regina", a cozinheira, morreu no campo de futebol em pleno jogo. A Regina, Nazinha, Elza (mãe e filhas) faleceram com o mal de Chagas. Muito cedo também faleceu Geraldino Araújo, o homem que furou a parede para namorar a vizinha Ana, sua esposa.
Esta história insere o meu galhardão de fundador da República Formigueiro, uma casa onde se formou o caráter dos homens que se tornaram, até hoje, meus melhores amigos. Para isto, sobretudo, sempre serviram as Repúblicas.
O Engenheiro Pedro Roche no seu livro "Homens de Ouro Preto" já se referia à República Bastilha hospedando Getúlio Vargas, "um indiozinho pequenino, magrinho, sempre com um risinho indefinível a mascarar-lhe o pensamento", recém chegado na década de 1890.
Em 21 de abril de 1954, ao transferir aqui simbolicamente a capital do Brasil, meses antes do seu suicídio, ouvi daquele presidente da República palavras carinhosas sobre a "República Bastilha". Recebi dele um autógrafo "com um abraço" coisa que, junto à foto daquele momento, guardo com muita emoção.
Esse convívio republicano de, no mínimo, seis anos, estimula o aparecimento de vocações extra-curriculares. Na Formigueiro o engenheiro maestro Ubirajara Cabral criou o Coral de Ouro Preto, que ganhou título nacional, do Jornal do Brasil, de melhor coral de música popular nos anos 50 e até hoje não superado.
Nas serenatas da república Sinagoga nasceu o engenheiro cantor João Bosco, hoje em expoente das paradas musicais. E dos "golos" de cachaça nas festinhas também se lamenta os descaminhos, para o alcoolismo de alguns tragos.
Da minha Formigueiro são imensas as lembranças. O pintor Alberto da Veiga Guignard, aos beijos com a "comadre" Regina, por quem sofreu inesperada e alcoolizada paixão. Nesta noite, Guignard fez seu único desenho humorístico que se tem notícia, publicado nesse livro.
A voz de prisão que eu recebi, quando lecionava uma aula para minhas paraninfadas na Escola Normal, por autoria comprovada do roubo do porco da Dona Tonica. Isto foi uma arbitrariedade, porque os larápios eram da Pensão Vermelha. Havia se celebrado um "convênio" com a Formigueiro para a matança, banquete do suíno e devolução dos ossos à sua proprietária. Só que eles foram embrulhados, com fita de presente, em um jornal de assinatura com meu nome e endereço.
Jucelino Kubitschek escolheu um engenheiro da Escola de Minas, Jorael Pinheiro, para construir Brasília em quatro anos. Veio à Ouro Preto como governador de Minas e, ao visita uma república com Israel, procuro o "Presidente" para manifestar-lhe seu desejo de ter este título.
Importantíssima na vida profissional, a função da República. Ali, se revelam, inteiramente, as tendências humanas, o senso de responsabilidade, a tolerância de agressividade, de organização e de garra. São centenas as equipes de sucesso nos grandes empreendimentos que foram formadas a partir desse conhecimento.
Um dos mais expressivos foi a construção de Brasília. Para as funções essenciais foram convocados os engenheiros da Escola de Minas: Diretorias de Operação, Planejamento, Energia Elétrica, Saneamento, Estradas, etc. Eles eram da confiança absoluta de Israel Pinheiro, que realizou a obra do século, no Brasil, ao saber colocar o homem certo no lugar certo.
As Repúblicas sempre se construíram como uma família mais verdadeira que a consangüínea. Isto porque cada um escolhe o se "irmão". Não há o grupo familiar imposto e muitas vezes detestável. E se o escolhido não for o ideal, você o substitui. A comunidade asssim formada convive durante anos e anos. E o mais rico nunca leva vantagem.
Em 1958 foi construída a nova Formigueiro com recursos da Votorantin doados pelo Eng. José Ermírio de Morais (pai de Antônio Ermírio) com projeto e execução dos colegas Darcy Germani, Jaime Cohen e outros.
Muitos republicanos se dispersaram tendo cabido ao Kleber Farias Pinto a honra de ser o primeiro habitante da Formigueiro e se formar como Engenheiro de Minas, Metalurgista e Civil em 1959, ano em que se mudou para construir Brasília com Cassio Damazio - Presidente da Fundação Gorceix - e junto com dezenas de ex-alunos comandados por Israel Pinheiro escolhido por Kubitschek para presidente da NOVACAP.
A dignidade de cada um é o que conta para nivelar a vida em comum.
É comum se ouvir de antigos alunos que quando as repúblicas possuíam cozinha própria e não havia o Restaurante Universitário, a convivência era maior entre os estudantes e a influência republicana na moldagem das personalidades era completa.
Em Ouro Preto não é importante saber em que ano se formou, mas em que República você morou. Não são os seus colegas de bancos escolares seus grandes amigos, mas seus companheiros de vida estudantil. Isto se constitui na mais expressiva experiência de vida que jamais tive.
É notável como estas casas, com mais de um século, mantém acima das leis, em perfeito regime anárquico, uma tradição e coerência. Todos mandam e ninguém obedece.
Que pessoas e entidades sigam o exemplo da Fundação Gorceix, ajudando os estudantes carentes, da Escola de Minas e da Universidade, mantendo este modelo de vida, de solidariedade e de liderança.
Liderança que permitiu a homens como Pardiá Calógeras, um civil, engenheiro, tornar-se o mais expressivo Ministro da Guerra do Brasil.
Os livros de visitas e registros das Repúblicas, as atas do Centro Acadêmico ou os depoimentos em tantos livros como os escritos por David Dequech, José Fiúza de Magalhães e Cassio Damazio são preciosidades históricas a serem preservadas.
Soma-se tudo isto, agora, esta obra coordeanda pelo escritor e pesquisador Otávio Luiz Machado, um homem fiel a Ouro Preto e Mariana.
Este texto é prefácio do livro "Repúblicas de Ouro Preto", de Otávio Luiz Machado, e foi escrito por Kleber Farias Pinto (1º quadrinho de ex-aluno da República Formigueiro).